Dívida Pública de MS: Simples ou Composta – Comparativo entre a PLP 257/16 (Pacote de Maldade) e a Decisão Liminar em Mandado de Segurança do STF : MS 34023 DF (A Luz para os Estados e o Apagão da União)




HISTÓRICO DA DÍVIDA DOS ESTADOS

O cálculo da dívida entre os Estados e a União é tema de constantes divergências. Neste mês de abril, dois novos fatos em curso poderão alterar drasticamente o modelo atual.

O saldo devedor da dívida de Mato Grosso do Sul teve uma expressiva evolução desde 1998, conforme pode ser visto no gráfico (1). Com um valor presente em torno de R$ 7 bilhões  (Janeiro de 2016 – Fonte:Banco Central).

 Em 2015, o dispêndio para pagamento da dívida teve uma média mensal próxima de R$ 78 milhões, e um total acumulado de R$ 942 milhões, segundo relatório resumido da execução orçamentária presente no Portal Transparência do Estado.



O esforço de pagamento obteve pouco impacto sobre o saldo devedor, evidenciando a complexidade e importância da revisão do cálculo, que acarreta uma série de externalidades negativas. Onde o modelo atual proporciona apenas abate de parte dos juros gerados, agravado por um cenário econômico de retração da economia aliado a juros altos.

Gráfico 01: Evolução do Saldo devedor MS da Dívida contratual interna junto ao Tesouro Nacional e ao Sistema Financeiro Nacional. Administração direta e indireta.

Fonte: Bacen. Elaboração do Observatório Econômico SINDIFISCAL-MS

A tabela 01, a seguir, demonstra a evolução da Dívida Consolidada Líquida do Estado de Mato Grosso do Sul, juntamente com a Receita Corrente Líquida. Exigência da Resolução nº 40, de 20/12/2001 – Senado Federal. Em que os Estados devem buscar uma relação (DCL/RCL) menor que 2,0.

Tabela 01: Evolução da DCL e RL - Mato Grosso do Sul
DATA
DCL*
RCL**
DCL/RCL
31/12/00
4.133.669
1.335.384
3,10
31/12/01
4.507.029
1.531.786
2,94
31/12/02
5.450.997
1.756.433
3,10
31/12/03
5.662.201
2.123.550
2,67
31/12/04
6.001.254
2.579.044
2,33
31/12/05
6.117.359
3.041.883
2,01
31/12/06
6.207.989
3.427.592
1,81
31/12/07
5.829.442
3.930.957
1,48
31/12/08
5.567.198
4.829.848
1,15
31/12/09
5.602.766
4.886.919
1,15
31/12/10
6.213.168
5.189.065
1,20
31/12/11
6.781.344
5.993.642
1,13
31/12/12
6.955.693
6.599.714
1,05
31/12/13
7.350.753
7.178.005
1,02
31/12/14
7.949.594
8.095.589
0,98
30/4/15
7.654.768
8.126.449
0,94
Fonte: Tesouro Nacional. Elaborado pelo Observatório Econômico SINDIFISCAL – MS
*DCL – Dívida Consolidada Líquida
**RCL – Receita Corrente Líquida

O histórico da dívida teve inicio em 1997, quando a União promoveu uma reforma fiscal de âmbito nacional, ocasionando um refinanciamento das dívidas dos Estados contraídas com instituições financeiras privadas, em que a União assumiu tais dívidas e pactuou com os entes federados um acordo com prazo de 30 anos, e a utilização de uma taxa de juros de 6% a 7,5% a.a com atualização monetária do IGPDI:

Gráfico 02: Série histórica IGP-DI

Fonte: IPEADATA. Elaboração do Observatório Econômico SINDIFISCAL – MS

Definiu-se também que o pagamento deveria deter um determinado comprometimento da receita dos Estados. As propostas do Governo Federal podem ser divididas em três:

  • Pagamento de 20% à vista, com taxa de 6% a.a, e atualização monetária pelo IGP-DI;
  • Pagamento de 10% à vista, com taxa de juros de 7,5% a.a, e atualização monetária pelo IGP-DI;
  • Pagamento de 0% a vista, com taxa de 9% a.a, e atualização monetária pelo IGP-DI; 
Mato Grosso do Sul escolheu a primeira opção.  Veja a seguir a escolha dos outros membros da união: 

Figura 01: Condições de Refinanciamento por Estado

Fonte: MORA, Mônica.Evolução Recente da Dívida Estadual.2016.

. 
Os novos acordos criaram a vinculação com o Programa de Ajuste Fiscal (PAF), para que fosse monitorada a situação fiscal daqueles que refinanciaram suas dívidas.
Em novembro de 2014, por meio da Lei Complementar Nº148 foi promovida a troca de indexadores originais do contrato, IGP-DI pelo IPCA mais juros de 4% a.a ou taxa Selic (o que for menor), sendo a atual condição em vigente.

Gráfico 03: Série histórica IPCA

Fonte: IPEADATA. Elaboração do Observatório Econômico SINDIFISCAL – MS


PLP 257 / 2016

Devido às dificuldades encontradas pelos estados para a manutenção de uma boa situação financeira, houve um movimento para viabilizar melhores condições para o pagamento da dívida com a União. Em resposta, o governo federal propôs a PLP 257 – 2016, que propõe um alongamento para a dívida e uma redução dos juros, mas traz uma série de novos compromissos que deverão ser assumidos pelos estados. A proposta sintetizada pode ser vista a seguir:

            “Propõe-se a concessão de prazo adicional de até 240 meses para pagamento das dívidas refinanciadas pelos entes estaduais perante a União, mediante celebração de aditivo contratual,  com redução de até 40% no valor das prestações nos 24 meses posteriores à celebração do aditivo. Além  disso, propõe-se  autorizar  as  instituições  públicas  federais,  a  seu  critério,  a  repactuarem  financiamentos concedidos  aos  estados  e  ao  Distrito  Federal,  com  recursos  do  Banco  Nacional  de  Desenvolvimento Econômico  e  Social  –  BNDES,  conforme  condições  estabelecidas  pelo  CMN.  Nessas  repactuações, autoriza-se a dispensa da verificação dos requisitos exigidos para a realização de operações de crédito e concessão de garantia pela União, inclusive aqueles definidos na Lei Complementar no101, de 4 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF.”

Em contrapartida, no prazo de até 180 dias da assinatura dos termos aditivos contratuais, que os entes sancionem e publiquem leis determinando a adoção durante os 24 meses subsequentes de medidas para auxiliá-los a reduzir suas despesas, conforme definido no art. 3 do Projeto.
Onde podemos destacar:

  • ·         Reduzir em 10% a despesa mensal com cargos de livre provimento;
  • ·         Não conceder aumento de remunerações dos servidores a qualquer título, ressalvadas as decorrentes de atos derivados de sentença judicial e previstas constitucionalmente, bem como suspender a contratação de pessoal, salvo em casos específicos;
  • ·         Limitar o crescimento das outras despesas correntes à variação da inflação;
  • ·         Vedar a edição de novas leis ou a criação de programas que concedam ou ampliem incentivo ou benefício de natureza tributária ou financeira.

Também terão que criar e aprovar leis que tenham como objetivo normas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, assim:

  • ·         Instituição do regime de previdência complementar, caso ainda não tenha publicado outra lei com o mesmo efeito, e elevação das contribuições previdenciárias dos servidores e patronal ao regime próprio de previdência social;
  • ·         Reforma do regime jurídico dos servidores ativos, inativos, civis e militares para limitar os  benefícios, progressões e vantagens ao que é estabelecido para os servidores da União;
  • ·         Instituição de monitoramento fiscal contínuo das contas do ente, de modo a propor medidas necessárias para a manutenção do equilíbrio fiscal;
  • ·         Instituição de critérios para avaliação periódica dos programas e projetos do ente.

Existe também uma possibilidade de redução de 40% na prestação (optativa) dos entes por até 24 meses pós-assinatura do contrato, onde os optantes terão que editar leis que determinem durante os 24 meses seguintes:

  • ·                   Redução de 20% na despesa mensal com cargos de livre provimento
  • ·                   Limitação das despesas com publicidade e propaganda a 50% da média dos empenhos efetuados nos últimos três exercícios.
  • ·                   Vedação de que o ente contrate operação de crédito pelo prazo de até 48 meses.

     Ainda destacamos um ponto importante, a apuração da despesa total com pessoal deverá ser observar a remuneração bruta do servidor, nela incluídos os valores retidos para pagamento de tributos.
           
A medida demonstra também em um cenário conservador, em que se os estados optarem por receber os benefícios permitidos e assinarem os aditivos contratuais até a data de 20 de junho de 2016, poderão ter postergada em 2016 os estados com divida de até R$ 9,6 bilhões, em 2017 os estados com divida de até R$ 18,9 bilhões e em 2018 os estados com divida de até R$ 17 bilhões.

 Importante ressaltar que esta medida não é um perdão, mas sim uma repactuação, não gerando custo financeiro para União. Mato Grosso do Sul a principio poderia usufruir já em 2016, pois detém atualmente uma dívida menor que a estipulada para a etapa deste ano.

Mudanças na LRF são incluídas no projeto, onde a periodicidade de relatórios de avaliação da receita e despesa deixa de ser bimestrais para se tornar trimestrais com a justificativa que o período anterior pode ser ineficiente na captação de anomalias de tendências. A problemática do poder executivo comprometer a prestação de serviços públicos reduzindo despesas para alcançar metas fiscais apresenta proposta de resolução, pois está sendo proposto adicionar um dispositivo de Regime especial de condicionamento.

“Neste Regime Poder Executivo contingenciará a totalidade da despesa pública, no entanto, preservando aquelas  relativas  a investimentos  em  fase  final  de  execução  ou  que  sejam considerados  prioritários  e  aquelas  consideradas  essenciais pelos  órgãos  para  a  manutenção  das  suas atividades  e prestação  de  serviços  públicos.”


Analisando as possibilidades de não cumprimento das metas fiscais é visto a criação de diversos estágios de regularização para a volta da normalidade do limite acordado.

Primeiro estágio:

  • ·         “(i) vedação de criação de cargos, empregos e  funções  ou  alteração  da  estrutura  de  carreiras,  que  impliquem  aumento  de  despesa;
  • ·         (ii) suspensão da admissão ou contratação de pessoal, a qualquer título, ressalvadas a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento, aquelas que não impliquem em aumento de gastos e as temporárias para atender ao interesse público;
  • ·         (iii) vedação de concessão de aumentos de remuneração de servidores acima do  índice  de  inflação  oficial  prevista;  
  • ·         (iv)  não  concessão  de  aumento  real  para  as  despesas  de  custeio, exceto  despesa  obrigatória,  e  discricionárias  em  geral;
  • ·         (v)  redução  em  pelo  menos  dez  por  cento  das despesas com cargos de livre provimento”.

Caso o primeiro estágio não seja suficiente para manter o gasto público  primário  abaixo  do  limite  estipulado,  o segundo estágio se faz necessário  com  as  seguintes medidas:

·         “(i) vedação de aumentos nominais de remuneração dos servidores públicos, ressalvado o disposto no inciso X do art. 37 da Constituição Federal;
·         (ii)  vedação  da  ampliação  de  despesa  com subsídio  ou  subvenção  em  relação  ao  valor  empenhado  no  ano  anterior,  exceto  se  a  ampliação  for decorrente  de  operações  já  contratadas;
·          (iii)  não  concessão  de  aumento  nominal  para  a  despesas  de custeio, exceto despesa obrigatória, e discricionárias em geral; e
·         (iv) manutenção da despesa sujeita a limitação de empenho e movimentação financeirade que trata o art. 9 , no máximo, no valor empenhado no ano anterior;
·         (v) nova redução de pelo menos dez por cento das despesas com cargos de livre provimento.”

Se os dois estágios anteriores ainda não forem suficientes para adequar  o  gasto público primário ao limite estabelecido, novas medidas serão ativadas, configurando o terceiro estágio:

·         (i) reajuste  do  salário  mínimo  limitado  à  reposição  da  inflação;
·          (ii)  redução  em  até  30%  dos  gastos  com servidores  públicos  decorrentes  de  parcelas  indenizatórias  e  vantagens  de  natureza  transitória;  e  
·         (iii) implementação  de  programas  de  desligamento  voluntário  e  licença  incentivada  de  servidores  e empregados, que representem redução de despesa.”

Logo uma vez que as medidas acima atinjam os resultados esperados, elas serão suspensas.


DECISÃO LIMINAR EM MANDADO DE SEGURANÇA NO STF: (A LUZ PARA OS ESTADOS E O APAGÃO DA UNIÃO)

O acontecimento que pode trazer mudanças significativas teve surgimento com a observação do estado de Santa Catarina que conseguiu apresentar valores divergentes e menores da sua dívida do que o apresentado pela Secretaria do Tesouro Nacional (Oficial), assim o Estado recusou-se assinar o contrato de renegociação da dívida, posteriormente entrando com recurso no Supremo Tribunal Federal para não sofrer sansões da União pela lide instaurada, tendo parecer favorável até o momento por meio do Mandado de Segurança - MS 34.023.

A questão central incide sobre a utilização da taxa SELIC capitalizada ou simples (somada). O Estado também sustenta que a expressão “variação acumulada de SELIC” quando empregada em outros diplomas normativos, não é aplicada de forma capitalizada.

A metodologia diverge da oficial, pois apresenta como ponto fundamental a taxa de juros (SELIC) que dada essa nova interpretação tem um caráter de capitalização simples alterando drasticamente a fórmula oficial que utiliza a taxa juros (SELIC) em um caráter composto.
           
Para facilitar o entendimento devemos definir tais conceitos, onde a capitalização do tipo simples segundo Santos (2012) os juros são calculados sempre em cima do capital inicial. Enquanto a capitalização composta os juros variam a cada período, dado que resultam do capital inicial juntamente com o valor dos outros períodos.
           

Podemos observar o impacto de divergentes interpretações neste caso por meio da tabela 02 a seguir: 

Tabela 02: Estimativa dos impactos
           


Caso seja decretado a adoção da taxa de juros simples e utilizando os valores da tabela acima (para o ano de 2013), os estados passarão a conter os saldos devedores apresentados na tabela 03:



Tabela 03: Impacto da Mudança da Taxa de Juros

Saldo da Dívida - Aplicação dos Juros Simples
Acre
-85,36
Pará
-532,36
Alagoas
1.474,30
Paraíba
-338,49
Amapá
-13,45
Pernambuco
-544,58
Amazonas
-389,87
Paraná
-1.207,92
Bahia
-1.286,82
Rio de Janeiro
14.584,40
Ceará
-949,07
Rio Grande do Norte
133
Distrito Federal
18,86
Rio Grande do Sul
10.846,27
Espiríto Santo
-93,49
Rondônia
-183,07
Goiás
686,17
Roraima
-13,38
Maranhão
-1.074,32
Santa Catarina
637,40
Mato Grosso
134,13
São Paulo
48.184,97
Mato Grosso do Sul
1.584,27
Sergipe
-188,65
Minas Gerais
12.364,41
TOTAL
83.747,35

Fonte: Ministério da Fazenda. Elaboração e Calculo do Observatório Econômico SINDIFISCAL - MS.

A nota técnica do Ministério da Fazenda (29-02-2016) esclarece a importância de se utilizar o fator de variação acumulada (capitalizada) por se tratar de uma operação de crédito. Opondo-se do argumento utilizado na proposta (Caso de Santa Catarina) em que se baseia no Manual do Sistema de Débito do Tribunal de Contas da União que faz uso do sistema de capitalização simples, pois, esse manual abrange ações condenatórias.
Para calcular a inflação acumulada, por exemplo, utilizam-se os seguintes passos, segundo a Nota Técnica (Ministério da Fazenda, 2016) citada acima:
“i) transformar as taxas percentuais em multiplicadores, sendo: multiplicador = (variação percentual dividida / 100) + 1;
 ii) multiplicar os resultados obtidos em cada mês; e
 iii) transformar o multiplicador em variação percentual, por meio da operação inversa da descrita em (i).”
Dessa forma podemos utilizar a SELIC acumulada para o ano de 2016 (jan - mar) a fim de exemplificar os passos descritos acima:
Tabela 04: SELIC
Mês
SELIC (%)
jan/16
1,06
fev/16
1
mar/16
1,16
Fonte: BACEN. Elaborado pelo Observatório Econômico SINDIFISCAL - MS
I) (1,06/100+1) = 1,0106; (1/100+1) = 1,01; (1,16/100+1) = 1,0116
II) 1,0106 * 1,01 * 1,0116 = 1,0325
III) (1,0325 -1) x 100 = 3,25%

Dessa forma obtemos a SELIC acumulada com o valor de 3,25%, caso tivesse ocorrido a soma das variações dos respectivos meses o valor seria de 3,22% (1,06 + 1 + 1,16). Apesar da pouca diferença relatada para os meses em questão, em um longo período de tempo a variação é muito significativa conforme demonstra o gráfico 04.

Gráfico 04: SELIC Acumulada e Somada ao longo do tempo.

Fonte: Ministério da Fazenda.



Conclusões:

Claro que quaisquer mudanças que venham ocorrer nas atuais condições do contrato da dívida terão inicialmente um impacto positivo, pois atualmente o esforço empenhado é muito grande. A principal proposta em tela (PLP 257 / 2016) traz um controle fiscal rígido que pode influenciar drasticamente a administração dos governos estaduais, onde o não atendimento das condições impostas poderá acarretar em crime de responsabilidade.

Tal rigidez também recai diretamente sobre o funcionalismo público dos entes da federação. Os quais serão duramente penalizados pela histórica ineficiência dos gestores públicos do passado, ou seja, o elo mais fraco dessa corrente.

Já em um cenário com a utilização de juros simples para o cálculo, os estados seriam altamente beneficiados o que consequentemente causaria grandes problemas fiscais para a União no médio prazo, onde a pasta da Fazenda estima um prejuízo de até R$ 313 bilhões.

Essa perda de receita da União (juros das dívidas) possuiria um efeito deletério exponencial face ao estado cambaleante das contas nacionais, sem falar do sistema financeiro como um todo, o qual já aguarda o momento e a forma de pegar carona na decisão do STF (capitalização das dívidas a juros simples). Assim a defesa contra a liminar conquistada por Santa Catarina chagará as últimas consequências, posto que está em jogo um iminente abismo fiscal.

REFERÊNCIAS:
MORA, Mônica.Evolução Recente da Dívida Estadual.2016



Equipe de Pesquisa do Observatório Econômico:
Marcos Miranda
Rodrigo da Rocha.
Clauber Aguiar - Diretor