O Estado de bem-estar social

A previdência social é um seguro público cujo objetivo é conceder fonte de renda a um trabalhador e sua família quando este perde a capacidade de trabalhar, seja de forma temporária (doença, acidente, maternidade) quanto permanente (morte, invalidez, velhice).
O presente estudo busca proporcionar ao leitor uma ampla abordagem sobre o passado (sua criação nos países pioneiros), o presente (seus visíveis problemas) e as estimativas quanto ao futuro da Previdência Social no Brasil e no Mundo.

Um pouco de história

1.      Concessão de pensões a soldados e viúvas como solução para recrutamento na Guerra dos Confederados (1860)
A guerra dos Confederados, na década de 1860, representou a disputa armada entre a União e os Confederados (norte e sul dos EUA, respectivamente). O Norte exigia o fim da escravatura enquanto que o Sul, basicamente agrícola, utilizava em massa a mão de obra escrava e se recusava a se submeter às exigências do norte. Os dois lados da guerra contaram com o recrutamento voluntário, o que deu certo no início, contudo, em um momento posterior, tornou-se insuficiente. Com isso, o alistamento passou a ser obrigatório. Essa medida gerou revoltas armadas nos dois extremos do país que, por sua vez, foram reprimidas com armamento ainda mais pesado. Para apaziguar os ânimos, foi anunciada a concessão de pensões para soldados e suas viúvas. O número de desertores caiu drasticamente, contudo elevou demasiadamente os custos do governo com a guerra.
2.      Bismarck estabelece o primeiro plano estatal de pensões e seguros médicos (1880)

Na década de 1880, o Chanceler alemão Bismarck instituiu um seguro obrigatório para proteger trabalhadores em estado de saúde agravada, acidentes de trabalho, invalidez e velhice. Esse seguro era custeado por contribuições dos empregados, empregadores e Estado.  Todos os trabalhadores eram obrigados a se filiar às sociedades seguradoras ou às entidades de socorro mútuo, estendendo o sistema de previdência por todas as fábricas e influenciando outros países.
3.      Introdução das pensões no Reino Unido (1908)
David Lloyd George, primeiro Conde Lloyd-George de Dwyfor, foi um estadista britânico e o último membro do Partido Liberal a ser Primeiro-ministro do Reino Unido. Ao assumir essa função, ele introduziu a pensão aos idosos, dando início à previdência social no país.
4.      Publicação do Relatório Beveridge (1942)
Em plena Segunda Guerra Mundial, William Henry Beveridge, 1º Barão de  Beveridge – economista e reformista social britânico – seguindo o modelo do “seguro-doença” de Bismarck (1883), elaborou um plano que visava atender as pessoas em necessidade. Propôs que, semanalmente, as pessoas contribuíssem com um valor em dinheiro para o Estado. O dinheiro seria utilizado para subsidiar doentes, desempregados e viúvas. Os subsídios se tornariam um direito dos cidadãos, em troca das contribuições obrigatórias, ao invés de pensões concedidas pelo Estado. Esse sistema permitiria um nível de vida mínimo necessário para a sobrevivência.
5.       Japão pós-guerra – criação das aposentadorias
Após a Segunda Guerra Mundial, o Japão estava devastado. Inúmeros oficiais militares cometeram suicídio logo após rendição, além de muitos outros que foram executados acusados de cometerem crimes de guerra. O país perdeu todos os seus territórios conquistados e houve, por anos, escassez de produtos. Após algumas tentativas de instaurar um sistema previdenciário no Japão, em 1955, conseguiu-se implantar um sistema de seguro social mais detalhado, o Shakai Hoken. O seguro é obrigatório e engloba em seu bojo assistência à saúde, acidentes, falecimento e aposentadoria. No caso de falecimento do segurado, a família é beneficiada com pensões. Como o país não conta com Serviços públicos de saúde, em caso de doença, o plano cobre 70% das despesas médico-hospitalares.

O futuro do bem-estar:

1.      Os problemas
A maioria dos sistemas previdenciários do mundo – inclusive do Brasil – foram instituídos a partir de um regime de repartição simples. Também conhecido como regime orçamentário. Esse modelo caracteriza-se pela divisão do pagamento das despesas atuais entre os contribuintes. Em outras palavras, a população economicamente ativa contribui, em parcelas, para o custeio dos atuais beneficiários do sistema.
No Brasil, conforme o Portal Brasil - Governo Federal, todo trabalhador com carteira assinada está automaticamente assegurado pela previdência social e contribui obrigatoriamente para um fundo geral. Esse “fundo” previdenciário, na verdade, é utilizado para custear o pagamento dos inativos. O sistema brasileiro é financiado de forma tripartite. Tanto empregados quanto empregadores são contribuintes do sistema, proporcionalmente ao salário do trabalhador. O governo, através de mecanismos próprios de arrecadação, entra como terceiro contribuinte. A tabela abaixo apresenta o saldo do Orçamento da Seguridade Social em 2016:
Déficit do Orçamento da Seguridade Social em 2016 (R$ bilhões) apresentado pelo Governo

Fontes: Secretaria de Previdência Social e STN (Relatório Resumido de Execução Orçamentária)

No ano de 2016, o déficit do Sistema da Previdência Social da União acumulou mais de R$ 258 bilhões. Contudo, o principal fator condicionante desse “rombo” nas contas previdenciárias consiste na Desvinculação de Receitas da União (DRU). Esta, aprovada em 1994, permite que impostos direcionados ao pagamento de despesas da seguridade social – incluindo gastos com aposentadorias – sejam usados para custear outras despesas do orçamento federal. Atualmente é permitida a desvinculação de até 30% do total de recursos arrecadados para a seguridade social.
Fonte: ANFIP (adaptado)

Caso não houvesse a DRU, o resultado ainda seria negativo, porém, muito menor que o apresentado. De acordo com a ANFIP – Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – o cálculo deve ser feito levando-se em conta a arrecadação como um todo. A esse respeito, a associação defende que a previdência possui saldo superavitário, ao realizar o seguinte levantamento:
Fonte: ANFIP

De acordo com o economista Paulo Tafner, utilizando a metodologia nos moldes da ANFIP, o déficit no orçamento da previdência de 2016 seria de apenas R$ 10 bilhões. Um saldo deficitário consideravelmente alto, contudo, muito menor que o apresentado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN).

Possíveis causas do déficit da Previdência no longo prazo
Apesar das controvérsias em relação ao saldo real do Orçamento da Seguridade Social, ambas as argumentações apresentam déficit no ano de 2016. Ademais, é incontestável a tendência de queda nas arrecadações e aumento das despesas previdenciárias. Vejamos, a seguir, algumas causas que estão relacionadas.
Uma população com maior expectativa de vida é sinal de um maior desenvolvimento econômico. E no Brasil, esse índice tem crescido com o passar dos anos e com o avançar da idade das pessoas. A tabela abaixo indica a expectativa de vida, por idade, em anos, da população brasileira, em 2013. Observe que um indivíduo que chega à idade de 60 anos (em geral, idade próxima de se aposentar) a expectativa é que ele viva mais 20 anos se for homem e mais 24 anos se for mulher.

O indicador também representa queda na taxa de mortalidade, ou seja, a população está vivendo mais tempo. Este pode representar um problema, caso seja acompanhado de redução da taxa de natalidade, como ocorre atualmente no Brasil.

Fonte: IBGE

Pelo gráfico é observável que a taxa de mortalidade caiu mais do que a de natalidade, no período analisado. Houve uma queda acentuada entre 1930 e 1965, mantendo-se praticamente constante a partir de 1995. Enquanto que a taxa de natalidade só apresentou queda acentuada a partir de 1955 – 15 anos depois – e vem caindo desde então. No longo prazo, a população idosa (aposentada) será muito maior que população em idade ativa. De acordo com a Consultoria Legislativa da Previdência e Assistência Social, em 2015 existiam 5,56 pessoas em idade ativa para cada indivíduo acima de 60 anos. A previsão para 2015 é que menos de duas pessoas (1,93) tenham de ajudar a custear a aposentadoria de cada idoso – sem mencionar os outros beneficiários em idade ativa.

Boletim Estatístico da Previdência Social de dez/2015 – Consultoria Legislativa.

Outro problema a ser destacado é a baixa cobertura da previdência social, já que, esta somente abrange, em sua maior parte, o mercado de trabalho formal. Os indivíduos desempregados, trabalhadores autônomos ou que trabalham sem registro na CLT, não contribuem para o sistema.

Anuário Estatístico da Previdência Social de 2013 – Consultoria Legislativa.

De acordo com o IBGE, o Brasil possuía um total de 201.032 milhões de habitantes em 2013. Apenas um total 26,21% da população (incluindo indivíduos em idade não ativa) contribuía para o sistema previdenciário. No mesmo ano, a população em idade ativa foi estimada em 156,6 milhões, o que representa quase três vezes o número total de contribuintes.

Fonte: Informe da previdência social – dezembro/2016

Em 2008, o total de benefícios emitidos pela Previdência Social foi acima de 25,6 milhões. Oito anos depois esse total já ultrapassou 33 milhões. E a tendência é de crescimento contínuo ao longo dos anos.
Outro fator é a situação econômica do país. Esta impacta diretamente o nível de emprego e renda da nação. Portanto, em períodos de recesso econômico, a arrecadação de contribuição do INSS reduz, elevando o déficit da previdência social (vide quadro do Orçamento da Seguridade Social de 2016). De acordo com o Informe da Previdência Social de dez/16 – no acumulado do ano, o nível de emprego formal apresentou uma redução de 751.816 postos de trabalho, uma queda de 1,89%.
Além dos fatores citados, há outro que gera grandes problemas para as contas públicas: as renúncias fiscais. Segundo o projeto de Lei Orçamentária 2015, as renúncias previdenciárias foram estimadas em R$ 62,4 bilhões subdivididas da seguinte forma:
·        Simples Nacional: R$ 22,4 bilhões;
·        Desonerações de Folha de Salários: R$ 22,4 bilhões;
·        Entidades beneficentes de Assistência Social: R$ 10,7 bilhões;
·        Exportação da Produção Rural: R$ 5,3 bilhões;
·        Microempreendedor Individual: R$ 1,3 bilhões;
·        Empregador Doméstico: R$ 249,8 mil;
·        Olímpiada: R$ 59,6 mil;
·        Copa do Mundo: R$ 985 mil
As renúncias fiscais, na maioria das vezes concedidas com o objetivo de fomentar a economia, representam um valor não arrecadado e consequentemente um déficit para as contas do governo.
2.      O futuro sombrio dos programas nos Estados Unidos
O prognóstico apresentado para o Brasil já ocorre em muitos países. A citar os Estados
Unidos, cujo sistema previdenciário representa uma bomba relógio prestes a explodir. Segundo relatório atual do departamento do Tesouro Nacional dos EUA, a previdência social do país irá se esgotar em 2034. Os fundos que apoiam o seguro de saúde somente perdurarão até 2019. Já o fundo de seguro para inválidos conseguirá ser totalmente financiado até 2028. O déficit projetado para os programas teria como causa a combinação do envelhecimento da população e do baixo crescimento populacional.
3.      A crise do sistema previdenciário japonês
Japão é outro exemplo de país com um grande problema no sistema previdenciário. Em 2011
as despesas com a previdência somaram 26,4 trilhões de ienes no orçamento fiscal, o equivalente a quase 50% das despesas do orçamento geral (se excluir do cálculo os gastos com títulos do governo e subsídios aos governos locais). Em 1980, essa proporção era de 26,7%, todavia, ultrapassou 40% a partir de 1999, o que reflete o rápido aumento do número de pessoas idosas no período. Observou a partir de 2005 uma evidente queda na taxa de natalidade que alcançou uma baixa recorde de 1,26. Há a estimativa de que a razão entre a população idosa e a em PIA (população em idade ativa – 15 a 64 anos), de 4,4 em 1995, alcance 2,1 em 2025, ou seja, duas pessoas ativas para cada um aposentado.
4.      O baby boom que financiou no passado, fomentou o atual modelo de caixa único e deixou órfã a geração seguinte.
Ao implantar um regime de repartição como sistema de previdência, os países não pensaram no longo prazo. É como a teoria para o controle populacional de Thomas Robert Malthus
(1798). Este foi um economista britânico que ficou conhecido como pai da demografia. Ao seguir hipóteses de que a população crescia a uma progressão geométrica, enquanto que os suprimentos para subsistência cresciam em progressão aritmética, concluiu que em algumas décadas a população passaria fome. A partir disso, ele pregava o estímulo à queda no nível populacional, através da queda da natalidade e aumento da mortalidade, através de epidemias e guerras.
Da mesma forma que Malthus, os governantes das gerações anteriores não planejaram a previdência para as gerações sucessoras. Não consideraram as possíveis quedas de natalidade e o aumento da longevidade, com o advento da tecnologia, dos avanços medicinais e na saúde pública.
Os Baby Boomers (nascidos após o fim da 2ª Guerra Mundial – 1946 a 1965), ativos no mercado de trabalho, contribuíram muito para o crescimento do consumo. Geração caracterizada por ser otimista e auto-motivada, até recentemente ocupavam os cargos chefia nas grandes corporações. Atualmente, esta geração está garantindo sua aposentadoria. Contudo, as gerações seguintes conseguirão garantir o recebimento do benefício?

Segundo dados apresentados do IBGE, em 2010 a maior parte da população se concentrava na faixa etária que se coincide com a população economicamente ativa. Apesar do aumento das expectativas, a população acima de 65 anos ainda era a menos concentrada demograficamente. Contudo, de acordo com as estimativas do IBGE para 2060, o quadro se altera.

De acordo com as estimativas, em 2060, a maior parte da população estará concentrada entre 40 a 69 anos. Ademais, o número das pessoas acima de 70 anos aumentará drasticamente. Ainda que com o passar dos anos, através de reformas previdenciárias, seja elevada a idade mínima para se aposentar, o número de aposentados no futuro será muito maior do que é hoje. Se em 2016 o déficit ultrapassou R$ 200 bilhões, o que será dos orçamentos públicos daqui a 43 anos? Conseguirá a geração X (nascidos entre 1966 ao fim de 1970) e a geração Y (nascidos entre 1980 à meados 1990) se aposentar pela previdência social?
5.      Soluções inevitáveis para a crise de pensões e seguridade social

Uma solução bem argumentada seria a eliminação da DRU, pois esta desvincula parte dos recursos que seriam destinados à seguridade social, elevando assim o déficit da previdência. Contudo, dados os argumentos apresentados nesse estudo, essa solução somente surtiria efeito no curto prazo.
No longo prazo, a solução para o problema atual do sistema previdenciário seria a alteração estrutural do regime de repartição para um regime de capitalização. Durante o período que as pessoas trabalhassem, elas depositariam uma quantia destinada a um fundo de capitalização. Dado o tempo de receber a aposentaria, os segurados receberiam parcelas do valor total depositado, acrescido de juros.

A solução seria muito simples em tese, contudo, uma migração real para o regime de capitalização acarretaria em altos déficits governamentais. Isso ocorre, pois, o antigo sistema possui muitos segurados que, ou já efetuaram pagamentos compulsórios ao sistema, ou já são aposentados ou pensionistas. O regime de repartição sobrevive se a cada novo aposentado ou pensionista que exigir o recebimento do benefício, vários novos contribuintes surjam para arcar com as despesas. Se os novos contribuintes aderirem a um novo sistema previdenciário (o de capitalização), quem bancará o antigo? O déficit sobra para o Governo!
Caso se pense em novas fontes de arrecadação como fonte de financiamento para o déficit da previdência, estas esbarram em questões polêmicas quanto à Reforma Tributária e à alta oneração da população, que já se encontra em patamares bem elevados (cerca de 32,7% do PIB em 2015).

RESUMO: Quem prometeu morreu !! Quem ficou vivo não irá receber !! Nem terá para quem reclamar !!

Referências:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/defaulttab_hist.shtm
http://www.fazenda.gov.br/por-dentro-da-reforma-da-previdencia/artigos-e-analises/existe-desvio-de-recursos-da-previdencia-para-pagar-outras-despesas-do-governo
http://www.fazenda.gov.br/por-dentro-da-reforma-da-previdencia
http://distritoliberal.org/previdencia-social-nao-deu-certo-porque-nunca-foi-feita-para-dar-certo/
http://www.brasil.gov.br/economia-e-emprego/2012/04/tipos-de-previdencia
http://exame.abril.com.br/economia/previdencia-dos-eua-quebra-em-17-anos-diz-tesouro/
http://guiadedireitos.org/index.php?option=com_content&view=article&id=541&Itemid=48
Consultoria Legislativa. Área XXI – Previdência e Assistência Social. Regime Geral De Previdência Social Em Números. Boletim Estatístico da Previdência Social de dez/2015. Anuário Estatístico da Previdência Social de 2013.
CAMARGO, Paula Tendolin de. Previdência Social no Brasil. Unicamp – Instituo de Economia. 2005.
SILVA, Pedro Luiz Barros; MÉDICE, André Cézar. Seguridade Social: Velhos problemas, novos desafios. IBGE. 1989

Estudo Elaborado pelo Observatório Econômico / SINDIFISCAL – MS.
Equipe de Pesquisa:
Letícia Cavessana

Clauber Aguiar – Diretor